A Convergência às IPSAS no Setor Público Brasileiro: Avanços, Desafios e Perspectivas
A contabilidade pública brasileira vive um momento crucial de transformação, com a crescente adoção das Normas Internacionais de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público (IPSAS). Este processo de convergência representa não apenas uma mudança técnica, mas uma verdadeira revolução na forma como estados e municípios brasileiros, incluindo São Paulo, gerenciam e prestam contas de seus recursos públicos.
O papel do Comitê Permanente de Contabilidade Aplicada ao Setor Público (CPCASP) do Conselho Federal de Contabilidade (CFC) tem sido fundamental nessa jornada. Durante um importante painel realizado na Universidade de São Paulo (USP), que integrou a 25ª Conferência Internacional de Contabilidade e o 22º Congresso de Iniciação Científica em Contabilidade, membros do comitê debateram a conexão entre prática e pesquisa na área contábil sob a perspectiva dos diversos atores envolvidos nesse processo.
O conselheiro do CFC, Valmir Leôncio, destacou durante o evento que o CFC, em parceria estratégica com a Secretaria do Tesouro Nacional (STN), desempenha papel primordial na convergência das normas. “Dessas atribuições, nasceu o CPCASP”, explicou Leôncio, que também detalhou a formação da Câmara Técnica do CFC e a importância das atividades estabelecidas no colegiado.
A colaboração entre o CFC e a STN tem sido um dos pilares que sustentam o processo de harmonização normativa no Brasil. Esta parceria estratégica permitiu avanços significativos na adaptação das normas internacionais à realidade brasileira, respeitando as particularidades locais sem perder de vista o objetivo maior de padronização e comparabilidade internacional.
Um aspecto interessante destacado durante o painel foi a composição diversificada do International Public Sector Accounting Standards Board (IPSASB), conforme apresentado pela professora Patrícia Siqueira Varela da USP. O grupo conta com representantes de diversas regiões do mundo: dois da América do Norte, dois da América Latina e Caribe, quatro da África e Oriente Médio, um da Oceania, quatro da Ásia e cinco da Europa. Esta diversidade geográfica é fundamental para garantir que as normas tenham uma perspectiva global e considerem as diferentes realidades econômicas e sociais.
Um dos pontos mais relevantes abordados pela professora Patrícia foi o papel do feedback social no processo de convergência normativa. “Eu digo isso porque é uma construção social, e não somente técnica como muitas pessoas pensam. Muitas vezes nós consideramos se aquilo é factível ou não. Pode ser perfeito tecnicamente, mas de pouca ou nenhuma aplicabilidade. Por isso momentos como o da consulta pública de cada norma são imprescindíveis”, enfatizou.
Esta observação ressalta a importância da participação dos diversos segmentos da sociedade, especialmente contadores e gestores públicos, no processo de elaboração e implementação das normas. A consulta pública não é apenas uma formalidade, mas um mecanismo essencial para garantir que as normas sejam aplicáveis na prática e atendam às necessidades reais dos usuários.
A implementação das IPSAS enfrenta desafios técnicos e operacionais significativos em diferentes regiões brasileiras. A diversidade territorial, econômica e administrativa do Brasil cria cenários distintos para a adoção das normas. Municípios menores, com recursos limitados e equipes reduzidas, enfrentam obstáculos adicionais quando comparados a capitais e grandes cidades que dispõem de mais recursos e pessoal especializado.
Em São Paulo, por exemplo, tanto o governo estadual quanto as prefeituras precisam adaptar seus sistemas de informação, treinar equipes e revisar processos para adequar-se às novas normas. Esta adaptação demanda investimentos em tecnologia, capacitação e, em muitos casos, reestruturação organizacional.
Apesar dos desafios, os benefícios esperados da convergência às IPSAS são substanciais. A adoção de padrões internacionais promove maior transparência na gestão pública, permitindo comparabilidade entre diferentes entes federativos e até mesmo entre países. Isso facilita a análise de desempenho e a identificação de boas práticas, contribuindo para a melhoria contínua da administração pública.
Para os gestores públicos e contadores que atuam em São Paulo e em outros estados brasileiros, algumas recomendações de melhores práticas podem ser úteis nesse processo de transição:
- Investir em capacitação contínua das equipes técnicas, garantindo o domínio das normas e sua correta aplicação;
- Adaptar sistemas de informação para atender aos requisitos das novas normas, priorizando a integração e a automação de processos;
- Participar ativamente das consultas públicas e discussões sobre as normas, contribuindo com a experiência prática para o aperfeiçoamento das regulamentações;
- Estabelecer parcerias com instituições acadêmicas e profissionais para troca de conhecimentos e experiências;
- Implementar gradualmente as mudanças, priorizando áreas críticas e estabelecendo cronogramas realistas.
O cronograma nacional de implementação das IPSAS prevê diversas etapas nos próximos anos, com prazos específicos para a adoção de diferentes aspectos das normas. É fundamental que os entes públicos acompanhem esse cronograma e se planejem adequadamente para cumprir os prazos estabelecidos.
A disseminação das IPSAS no Brasil depende do comprometimento de todos os atores envolvidos: governos, órgãos de controle, conselhos profissionais, academia e sociedade civil. A experiência de outros países mostra que o sucesso desse processo está diretamente ligado à capacidade de construir consensos e promover a participação ampla e democrática.
O caminho para a convergência completa às normas internacionais ainda é longo, mas os avanços já conquistados demonstram o compromisso do Brasil com a modernização e o aprimoramento da contabilidade pública. À medida que esse processo avança, espera-se que a gestão pública brasileira se torne mais transparente, eficiente e alinhada às melhores práticas internacionais, beneficiando toda a sociedade.
Referências: