A violência contra meninas no Brasil é um grave desafio que exige atenção urgente. Dados revelam que a violência sexual é a maior preocupação entre os brasileiros, enquanto a adultização precoce é reconhecida como uma forma sutil de violência. Este blogpost destaca a importância de uma abordagem holística para entender e enfrentar tanto as violações tradicionais quanto os novos riscos surgidos no ambiente digital.
A violência contra meninas no Brasil representa um dos desafios mais urgentes da nossa sociedade, exigindo uma compreensão aprofundada sobre suas múltiplas faces e manifestações. Uma pesquisa recente consolidada pelo Instituto QualiBest revelou percepções importantes sobre como os brasileiros enxergam as diferentes formas de violação que afetam meninas em nosso país, oferecendo dados essenciais para compreendermos a dimensão real deste problema.
A violência sexual emerge como a principal preocupação dos brasileiros quando se trata de violações contra meninas. Segundo a pesquisa, 87% dos entrevistados identificam este tipo de violência como aquela que mais vitima meninas no Brasil, sendo considerada a mais comum no país por 43% da população. Os dados refletem uma realidade alarmante: entre 2021 e 2023, apenas na Amazônia Legal, foram registrados mais de 38 mil casos de estupro contra crianças e adolescentes.
Esta percepção encontra respaldo em estatísticas nacionais que demonstram a gravidade do cenário. Em 2022, a violência sexual atingiu 61,4 mil crianças e adolescentes no Brasil, enquanto 2023 registrou mais de 180 mil denúncias de violência contra esse público. Os números evidenciam não apenas a prevalência do problema, mas também a necessidade urgente de políticas públicas mais efetivas e campanhas de conscientização mais amplas.
Um aspecto particularmente preocupante identificado na pesquisa é a adultização precoce de meninas, reconhecida por 90% dos entrevistados como uma forma de violência. Destes, 61% consideram que a adultização caracteriza totalmente uma violência, enquanto 29% a veem como um problema parcial. Este fenômeno está intrinsecamente ligado à violência sexual, pois normaliza a sexualização precoce e contribui para a vulnerabilidade das meninas em diferentes contextos.
A adultização precoce manifesta-se quando meninas são forçadas a assumir responsabilidades e comportamentos próprios de adultos, seja no cuidado da casa, dos irmãos menores ou mesmo sendo expostas a situações sexualizadas inadequadas para sua idade. Esta realidade não apenas rouba a infância dessas meninas, mas também as torna mais suscetíveis a diferentes tipos de violência e exploração.
Embora a violência sexual seja predominante nas percepções, a pesquisa revela que outras formas de violência de gênero recebem menos atenção do que deveriam. Ana Nery Lima, especialista em gênero e inclusão da Plan Brasil, destaca que questões como falta de acesso à educação foram mencionadas por apenas 36% dos entrevistados, casamento infantil por 43%, trabalho infantil por 46% e negligência por 48%.
Esta disparidade na percepção é preocupante porque, como explica a especialista, “quando a gente fala de violência baseada em gênero, qual a primeira coisa que vem à cabeça? Agressão física. Mas a gente tem uma gama de outras violências, que, inclusive, leva à violência física e ao feminicídio como consequência”. O reconhecimento adequado dessas diferentes formas de violência é fundamental para que as vítimas possam denunciar apropriadamente e buscar a proteção necessária.
A internet emergiu como um novo território de vulnerabilidade para meninas, sendo apontada por 92% dos entrevistados como fator que aumenta os riscos. Paradoxalmente, 83% da população indica a internet como o ambiente mais perigoso para meninas, superando até mesmo suas próprias casas, mencionadas por apenas 33% dos participantes. Esta percepção, embora compreensível diante da crescente digitalização da sociedade, pode mascarar uma realidade estatística diferente.
As redes sociais mais utilizadas por menores de 18 anos incluem Instagram, WhatsApp, TikTok e YouTube. A pesquisa revelou que 74% dos pais entrevistados publicam fotos de seus filhos menores de idade nas redes sociais, sendo que 27% fazem isso com frequência em perfis fechados, 33% raramente e de forma controlada, 6% em perfil aberto com algumas precauções, e 8% sem nenhuma restrição especial.
O acesso limitado à educação e o trabalho infantil representam formas de violência que perpetuam ciclos de vulnerabilidade. Meninas fora da escola ficam mais expostas a diferentes tipos de exploração, incluindo o trabalho precoce e o casamento infantil. O trabalho infantil, em particular, pode assumir formas especialmente prejudiciais para meninas, incluindo trabalho doméstico não reconhecido e situações que facilitem outras formas de abuso.
A educação funciona como fator de proteção fundamental, oferecendo não apenas conhecimento, mas também ferramentas para identificar situações de risco e buscar ajuda. Quando meninas são privadas deste direito, seja por questões econômicas, culturais ou por serem forçadas ao trabalho precoce, sua vulnerabilidade aumenta significativamente.
Um novo desafio que surge no ambiente digital são os deepfakes sexuais, montagens feitas com inteligência artificial que misturam rostos de meninas com corpos em contextos sexuais sem consentimento. A SaferNet Brasil identificou 16 casos em escolas de dez unidades federativas, afetando 72 vítimas e envolvendo 57 agressores, todos menores de 18 anos. Os estados com maior número de ocorrências incluem Alagoas, Bahia, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
Estes casos ocorreram principalmente em instituições de ensino particulares, e a SaferNet confirmou três casos adicionais não noticiados pela imprensa, sendo dois no Rio de Janeiro e um no Distrito Federal. A organização alerta que “o número de casos pode ser bem maior” e destaca a ausência de monitoramento sistemático por parte das autoridades brasileiras sobre a incidência desses crimes.
A percepção sobre onde ocorrem as violências revela uma contradição importante nos dados da pesquisa. Embora 83% dos entrevistados vejam a internet como o ambiente mais perigoso, estatísticas consistentemente demonstram que a maior parte das violências de gênero acontece em residências, praticada por conhecidos das vítimas, incluindo parentes e companheiros.
Juliana Cunha, diretora da SaferNet Brasil, explica que esta percepção distorcida “trata-se de algo arraigado cultural e, portanto, profundamente na sociedade brasileira e que explica por que os lares são considerados menos ameaçadores do que ruas e bairros (53%) e o transporte público (47%)”. Ana Nery Lima complementa que “a gente ainda tem uma percepção de risco muito vinda do nosso imaginário de que o risco é esse adulto estranho”, quando na realidade, muitas vezes o agressor é “alguém da mesma idade” ou “pessoas de confiança”.
A responsabilização de adultos na era digital emerge como consenso quase unânime, com 92% dos participantes apoiando medidas contra adultos que tirem proveito financeiro da exposição de meninas na internet ou que as coloquem em risco no ambiente online. Esta percepção reflete uma compreensão crescente de que a proteção de meninas no ambiente digital exige responsabilidade compartilhada entre famílias, educadores, plataformas digitais e sociedade como um todo.
Os dados apresentados revelam a complexidade da violência contra meninas no Brasil, exigindo abordagens multifacetadas que considerem tanto as manifestações tradicionais quanto os novos desafios impostos pela era digital. A conscientização sobre as diferentes formas de violência, desde a adultização precoce até os deepfakes sexuais, é fundamental para construir estratégias de prevenção mais efetivas. Somente através do reconhecimento integral dessas violências e da implementação de políticas públicas abrangentes será possível proteger adequadamente as men