A convergência histórica entre o dólar oficial e o paralelo na Argentina, ocorrida em maio de 2025, marca um momento decisivo para a economia do país vizinho após anos de distorções no mercado cambial. Pela primeira vez em quase seis anos, o dólar oficial ultrapassou o valor do dólar blue (paralelo), com o primeiro cotado a 1.203 pesos e o segundo a 1.180 pesos, invertendo uma tendência que há muito tempo caracterizava o cenário econômico argentino.
Esta transformação é resultado direto da nova política cambial implementada pelo governo de Javier Milei, que removeu gradualmente os controles cambiais que mantinham artificialmente valorizado o peso argentino no mercado oficial. Durante anos, essas restrições criaram uma distorção que chegou a produzir um ágio de até 200% no mercado paralelo em relação ao oficial, alimentando incertezas e prejudicando a credibilidade econômica do país.
A liberalização do mercado cambial permitiu que o governo estabelecesse uma nova faixa de flutuação para o peso, entre 1.000 e 1.400 pesos por dólar no mercado oficial. Esta medida, associada a uma política monetária mais restritiva, visa conter o déficit fiscal e combater a inflação galopante que há anos corrói o poder de compra dos argentinos, especialmente em Buenos Aires e outras grandes cidades do país.
O Banco Central da Argentina tem enfrentado o desafio de administrar essa transição para um regime cambial mais flexível sem provocar uma disparada inflacionária ainda maior ou uma queda descontrolada no valor da moeda. A estratégia envolve intervenções pontuais no mercado, mantendo a cotação dentro da faixa estabelecida enquanto busca acumular reservas internacionais, elemento fundamental para dar sustentabilidade ao novo modelo.
A acumulação de reservas representa, atualmente, o ponto mais sensível para a manutenção da convergência cambial. Após anos de erosão das reservas internacionais, o país precisa reconstruir sua posição em moeda estrangeira para gerar confiança nos mercados e sustentar o valor da moeda. Neste contexto, o aporte recente de US$ 12 bilhões do Fundo Monetário Internacional (FMI) tem sido crucial para a estabilização monetária e para dar fôlego às novas políticas econômicas.
Este aporte do FMI representa não apenas um alívio financeiro imediato, mas também um sinal de aprovação internacional às reformas conduzidas pelo governo Milei. A chegada desses recursos permitiu ao Banco Central da Argentina fortificar sua posição e intervir de maneira mais eficaz no mercado, contribuindo diretamente para a aproximação entre as cotações oficial e paralela do dólar.
Além do apoio internacional, a economia argentina conta com outro importante aliado sazonal: o setor agrícola. Com a aproximação da colheita de soja e milho, principais produtos de exportação, existe a expectativa de um significativo influxo de dólares nos próximos meses. As regiões produtoras, como Santa Fé, Córdoba e Buenos Aires, devem movimentar o mercado cambial com a liquidação das exportações, potencialmente fortalecendo ainda mais as reservas internacionais do país.
No entanto, apesar dos avanços recentes, analistas de mercado apontam diversos riscos e desafios para a manutenção dessa convergência cambial nos próximos meses. O principal deles é garantir que o Banco Central continue acumulando reservas líquidas genuínas, sem depender exclusivamente de empréstimos externos. A história econômica argentina está repleta de episódios de estabilização temporária seguidos por novas crises, padrão que o atual governo busca romper.
Outro desafio importante é o controle da inflação, que mesmo com a nova política cambial, permanece em níveis extremamente elevados. A eliminação gradual do ágio no mercado paralelo pode contribuir para reduzir as expectativas inflacionárias, mas ainda são necessárias medidas adicionais para conter o aumento generalizado de preços que afeta tanto as grandes cidades como Rosário e Mendoza quanto as menores localidades do interior.
A queda do ágio do mercado paralelo representa um alívio significativo para a economia real argentina. Na prática, essa convergência reduz distorções de preços, facilita o planejamento empresarial e diminui a incerteza para os consumidores. Para empresas que operam em Córdoba, Mendoza e outras regiões econômicas importantes, o fim da dualidade cambial simplifica decisões de investimento e reduz custos operacionais antes atrelados às complexas operações para contornar as restrições.
Para o setor empresarial, especialmente em centros comerciais como Buenos Aires e Rosário, essa mudança também representa uma oportunidade de normalização das operações comerciais internacionais. Durante anos, importadores e exportadores lidavam com um complexo sistema de taxas múltiplas e restrições que comprometiam a competitividade e a transparência das operações.
O mercado financeiro demonstra otimismo cauteloso quanto à sustentabilidade das reformas econômicas implementadas. Investidores nacionais e internacionais reconhecem o esforço de estabilização, mas aguardam sinais mais concretos de que as mudanças serão duradouras. A experiência histórica argentina com ciclos de reformas seguidos por retrocessos justifica essa prudência.
A sustentabilidade do novo modelo dependerá não apenas da continuidade da disciplina fiscal e monetária, mas também do sucesso em atrair investimentos produtivos de longo prazo. Para isso, o governo Milei precisará avançar em reformas estruturais que vão além da política cambial, abordando questões como a segurança jurídica, a eficiência do Estado e a redução dos custos de fazer negócios no país.
O caso argentino serve como importante referência para outras economias da região que enfrentam desafios semelhantes, incluindo o Brasil. A convergência das taxas de câmbio representa um passo significativo, mas é apenas parte de um processo mais amplo de reconstrução da credibilidade econômica e de criação de condições para um crescimento sustentável.
Referências:
https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/taxas-de-cambio-da-argentina-convergem-e-mercado-observa-banco-central/
https://www.reuters.com/world/americas/argentinas-peso-official-black-market-finally-align-2024-05-06/
https://www.ambito.com/finanzas/dolar-blue-cierra-debajo-del-oficial-brecha-cambiaria-minimo-historico-n5989956
https://brasil.elpais.com/internacional/2025-05-07/com-milei-dolar-paralelo-e-oficial-convergem-na-argentina-pela-primeira-vez-em-seis-anos.html