O impacto das ameaças tarifárias de Trump ao BRICS no cenário econômico global

A recente declaração do presidente americano Donald Trump sobre a imposição de uma tarifa adicional de 10% para países alinhados às “políticas antiamericanas” do BRICS acendeu um alerta no cenário econômico internacional. Esta medida protecionista tem potencial para redesenhar as relações comerciais globais e afetar diretamente o Brasil, atual presidente do bloco, além dos demais membros que representam uma parcela significativa da economia mundial.

A expansão do BRICS ocorrida nos últimos anos transformou o que começou como um acrônimo criado pelo economista Jim O’Neill em 2001 em um poderoso bloco econômico e geopolítico. Originalmente composto por Brasil, Rússia, Índia e China, o grupo incorporou a África do Sul em 2011 (adicionando o “S” ao nome) e, mais recentemente, ampliou-se para incluir Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã, totalizando onze membros oficiais.

Esta expansão não é apenas numérica. O BRICS representa hoje 48,5% da população mundial e cerca de 24% do comércio global. Em termos econômicos, o bloco possui um PIB combinado de aproximadamente US$ 24,7 trilhões, consolidando-se como uma força econômica expressiva e uma alternativa às estruturas financeiras tradicionais dominadas pelo Ocidente.

Quando Trump se refere a “políticas antiamericanas” do BRICS, ele não especifica exatamente quais seriam essas políticas. No entanto, analistas interpretam que esteja relacionado principalmente às iniciativas do bloco que desafiam a hegemonia do dólar nas transações internacionais e às relações comerciais e diplomáticas que alguns membros do grupo mantêm com países sob sanções americanas, como Rússia e Irã.

Uma das iniciativas mais significativas do BRICS nesse sentido é o desenvolvimento do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), também conhecido como “Banco do BRICS”. Criado em 2014 e com sede em Xangai, o NDB representa uma alternativa às instituições financeiras tradicionais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, historicamente controlados pelos Estados Unidos e seus aliados europeus. O banco já aprovou mais de US$ 32 bilhões em financiamentos para projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável nos países membros, oferecendo uma fonte alternativa de financiamento e reduzindo a dependência das instituições ocidentais.

Para o Brasil, que atualmente preside o BRICS e sedia a cúpula anual no Rio de Janeiro, a ameaça tarifária de Trump representa um desafio diplomático e econômico considerável. As relações comerciais Brasil-EUA são significativas, com um fluxo comercial que ultrapassou US$ 84 bilhões em 2023. A imposição de uma tarifa adicional de 10% afetaria diretamente as exportações brasileiras para o mercado americano, potencialmente reduzindo a competitividade de produtos como aço, celulose, calçados e produtos agrícolas.

A posição do Brasil como presidente do bloco exige um equilíbrio delicado. Por um lado, o país busca fortalecer sua posição dentro do BRICS e aproveitar as oportunidades econômicas e políticas que o bloco oferece. Por outro, precisa manter boas relações com os Estados Unidos, tradicional parceiro comercial e diplomático.

A China, como principal economia do BRICS e alvo frequente da retórica protecionista americana, tem adotado uma postura cada vez mais assertiva contra as sanções unilaterais impostas pelos Estados Unidos. Em recentes declarações, autoridades chinesas criticaram o que chamam de “hegemonia do dólar” e “diplomacia coercitiva”, defendendo um sistema internacional mais equilibrado e baseado em regras mutuamente acordadas.

Outros membros do BRICS, como Rússia e Irã, que já enfrentam sanções americanas, veem no bloco uma oportunidade para mitigar os efeitos dessas restrições através de parcerias comerciais alternativas e sistemas de pagamento que contornam o dólar americano. A Índia, por sua vez, tem adotado uma postura mais moderada, buscando manter boas relações tanto com o BRICS quanto com os Estados Unidos.

A ameaça tarifária de Trump se insere em um contexto mais amplo de crescente protecionismo comercial americano. Desde seu primeiro mandato, Trump tem defendido políticas comerciais nacionalistas sob o slogan “America First”, impondo tarifas a diversos parceiros comerciais, incluindo China, União Europeia e México. Recentemente, anunciou que enviará cartas tarifárias a mais de 100 países, sinalizando uma possível intensificação dessa abordagem.

Para o comércio global, já afetado por tensões geopolíticas, disrupções nas cadeias de suprimentos e os efeitos residuais da pandemia, o aumento do protecionismo americano representa um risco adicional. A Organização Mundial do Comércio (OMC) prevê uma leve recuperação do comércio global em 2024 e 2025, mas adverte que políticas protecionistas podem comprometer esse crescimento.

Especialistas em comércio internacional apontam que medidas tarifárias como a proposta por Trump tendem a provocar retaliações, criando um ciclo de restrições comerciais que ultimamente prejudica consumidores e empresas em todos os países envolvidos. Além disso, podem acelerar a fragmentação da economia global em blocos comerciais distintos, um fenômeno que já vem sendo observado e que tem sido chamado de “desacoplamento” ou “desglobalização”.

Para empresas brasileiras com negócios internacionais, especialmente aquelas que exportam para os Estados Unidos ou que participam de cadeias globais de valor, o momento exige atenção redobrada e possível revisão de estratégias. Diversificar mercados, buscar inserção em novas cadeias produtivas e acompanhar de perto a evolução das políticas comerciais se tornam imperativos em um cenário de crescente incerteza.

O BRICS, por sua vez, provavelmente intensificará esforços para fortalecer a cooperação econômica interna e reduzir vulnerabilidades a pressões externas. Isso pode incluir o desenvolvimento de sistemas de pagamento alternativos, aumento do comércio intra-bloco em moedas locais e fortalecimento do Novo Banco de Desenvolvimento como fonte de financiamento para projetos estratégicos.

O cenário que se desenha é de uma crescente polarização no sistema comercial internacional, com implicações profundas para a governança econômica global. A capacidade do sistema multilateral de comércio, representado pela OMC, de mediar essas tensões e manter regras comuns será severamente testada nos próximos anos.

Para o Brasil e demais países do BRICS, o desafio será navegar nesse ambiente complexo, buscando preservar a autonomia de suas políticas e defender seus interesses econômicos, enquanto trabalham para evitar uma escalada de conflitos comerciais que, em última análise, prejudicaria a todos.

Referências:

CNN Brasil. Trump promete tarifa de 10% para quem se alinhar às políticas do BRICS. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/trump-promete-tarifa-de-10-para-quem-se-alinhar-as-politicas-do-brics/

Agência Brasil. BRICS fará reunião com países parceiros para discutir ampliação de. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2024-06/brics-fara-reuniao-com-paises-parceiros-para-discutir-ampliacao-de

UOL Notícias. China critica sanções dos EUA contra Rússia e Irã e defende acordo nuclear. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2024/05/30/china-critica-sancoes-dos-eua-contra-russia-e-ira-e-defende-acordo-nuclear.htm

Valor Econômico. OMC prevê leve recuperação do comércio global em 2024 e 2025. Disponível em: https://valor.globo.com/mundo/noticia/2024/04/10/omc-preve-leve-recuperacao-do-comercio-global-em-2024-e-2025.ghtml