A crise do excedente de frango: impactos e desafios após embargo nas exportações brasileiras
O setor avícola brasileiro, especialmente na região Sul, enfrenta um desafio sem precedentes após a confirmação de casos de gripe aviária em granjas comerciais. O embargo nas exportações criou um cenário preocupante para uma indústria que vinha batendo recordes de produção e vendas externas. Este momento crítico expõe fragilidades estruturais e testa a resiliência de um dos mais importantes setores do agronegócio nacional.
A região Sul concentra aproximadamente 60% da produção nacional de frango, com destaque para os estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Estes três estados são responsáveis por 78% de todas as exportações brasileiras do produto, configurando um polo estratégico para a avicultura nacional. A alta concentração produtiva nesta região explica por que o impacto do embargo é tão significativo para a economia local e nacional.
Antes do surto sanitário, o Brasil vivia um momento extremamente positivo nas exportações de carne de frango. O primeiro quadrimestre de 2025 havia sido o melhor dos últimos cinco anos, com 1,731 milhão de toneladas embarcadas para o exterior. Esse desempenho refletia a competitividade do produto brasileiro no mercado internacional e a confiança dos compradores na qualidade e segurança da nossa produção.
Com o embargo imposto pelos países importadores, estima-se que aproximadamente 400 mil toneladas de carne de frango ficarão sem destino em apenas 60 dias. Este volume representa não apenas um problema comercial, mas também logístico, já que o Brasil não possui infraestrutura adequada para armazenar todo esse excedente.
A capacidade de armazenamento em câmaras frias do país comporta a produção de apenas 15 a 20 dias, muito aquém do necessário para enfrentar um embargo prolongado. Esta limitação estrutural coloca os produtores em uma situação extremamente vulnerável, sem alternativas viáveis para preservar a produção que não pode ser exportada.
Em termos financeiros, as projeções são alarmantes. O prejuízo estimado para o setor, considerando um período de 60 dias de embargo, pode atingir entre US$ 1,5 e US$ 2 bilhões. Este montante representa não apenas perdas diretas para os produtores e exportadores, mas impacta toda a cadeia produtiva, desde fornecedores de insumos até transportadoras e serviços associados.
Diante da impossibilidade de exportar e das limitações de armazenamento, a principal alternativa seria a absorção do excedente pelo mercado interno brasileiro. No entanto, esta solução enfrenta obstáculos significativos. O consumo per capita atual de frango no Brasil é de aproximadamente 35 kg por ano, um nível já considerado elevado quando comparado com padrões internacionais.
Para absorver as 400 mil toneladas excedentes durante os 60 dias de embargo, seria necessário um aumento de 5 kg no consumo per capita em um curto período. Este incremento representa um desafio considerável, pois exigiria mudanças nos hábitos alimentares da população e uma capacidade de compra que nem todos os brasileiros possuem.
O aumento da oferta no mercado interno tende a provocar uma queda significativa nos preços, o que poderia estimular um maior consumo. Porém, esta redução de preços, embora benéfica para os consumidores no curto prazo, comprime as margens dos produtores, que já enfrentam custos elevados de produção e logística.
Os impactos na cadeia produtiva vão além dos grandes frigoríficos. Pequenos e médios produtores integrados, que dependem dos contratos com as empresas exportadoras, enfrentam a possibilidade de redução na demanda por seus serviços. Além disso, setores correlatos como transporte, embalagens e serviços veterinários também sofrem com a retração do mercado.
A recuperação do setor dependerá não apenas da resolução do problema sanitário que originou o embargo, mas também da capacidade de negociação do governo brasileiro junto aos parceiros comerciais. A demonstração de controle efetivo sobre o surto e a implementação de medidas de biossegurança mais rigorosas serão fundamentais para a retomada da confiança internacional.
No médio prazo, este episódio evidencia a necessidade de investimentos em infraestrutura de armazenamento e em estratégias de diversificação de mercados. A dependência excessiva de determinados compradores internacionais expõe o setor a riscos que poderiam ser mitigados com uma base mais ampla de parceiros comerciais.
Para o consumidor brasileiro, o momento pode representar uma oportunidade de acesso à proteína animal a preços mais acessíveis, mas é importante compreender que esta situação é temporária e decorre de uma crise setorial. A normalização do mercado, com o eventual fim do embargo, deve restabelecer os patamares de preço anteriores.
Os próximos meses serão decisivos para o futuro da avicultura brasileira, especialmente na região Sul. A capacidade de adaptação dos produtores, o apoio governamental e a eficácia das medidas sanitárias implementadas definirão não apenas a superação da crise atual, mas também a preparação do setor para enfrentar desafios semelhantes no futuro.
Referências
https://www.gov.br/fazenda/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/reforma-tributaria