Deep Techs no Brasil: Oportunidades e Desafios para a Inovação Científica

As Deep Techs no Brasil: Um Novo Horizonte para Inovação e Desenvolvimento

O mundo da inovação está passando por uma transformação significativa, com as deep techs ganhando cada vez mais destaque no cenário nacional e internacional. Diferentemente das startups convencionais, essas empresas de base científica não apenas aplicam tecnologias existentes de novas maneiras, mas desenvolvem soluções fundamentadas em pesquisa científica avançada e inovações tecnológicas disruptivas.

No Brasil, essa revolução silenciosa está ganhando força e pode representar uma oportunidade sem precedentes para nosso desenvolvimento econômico e social. Com uma comunidade científica robusta e desafios complexos a serem solucionados, o país tem ingredientes essenciais para se tornar um polo de deep techs com relevância global.

O que são Deep Techs e por que elas importam no contexto brasileiro

As deep techs são startups que se baseiam em descobertas científicas ou avanços significativos de engenharia para criar soluções inovadoras. Elas vão além do modelo de negócios puramente digital e se apoiam em conhecimento científico profundo para desenvolver tecnologias que podem transformar indústrias inteiras.

No contexto brasileiro, essas empresas representam uma oportunidade de transformar nossa rica produção científica em soluções aplicáveis a problemas reais. Segundo dados do relatório “Deep Tech: The New Wave” do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Brasil já ocupa a segunda posição no ranking de países da América Latina com maior número de deep techs, com aproximadamente 101 empresas nesse segmento.

Esse movimento é especialmente relevante para um país que historicamente enfrenta desafios na conversão de conhecimento acadêmico em produtos e serviços com impacto no mercado. As deep techs podem ser o elo que faltava entre nossa produção científica de qualidade e a geração de valor econômico e social.

O ecossistema latino-americano e brasileiro de Deep Techs

A América Latina tem apresentado um crescimento expressivo no ecossistema de deep techs, movimentando aproximadamente R$38 bilhões (US$8 bilhões), segundo o relatório do BID. Esse cenário promissor coloca a região, e especialmente o Brasil, como um importante polo emergente de inovação científica.

O ecossistema brasileiro de deep techs tem se fortalecido gradualmente, com apoio crescente de aceleradoras, incubadoras, universidades e investidores especializados. Cidades como São Paulo, Campinas, Florianópolis e Belo Horizonte têm se destacado como hubs importantes para essas empresas, criando ambientes propícios para a inovação de base científica.

No entanto, ainda enfrentamos desafios significativos quando comparados a ecossistemas mais maduros como os dos Estados Unidos, Israel e China. A falta de capital paciente, as barreiras regulatórias e a dificuldade de acesso a equipamentos e laboratórios são obstáculos que precisam ser superados para que o Brasil possa explorar todo o potencial desse setor.

Setores estratégicos para Deep Techs no Brasil

O Brasil possui vantagens competitivas naturais em setores como agronegócio, saúde e energia renovável, que se apresentam como campos férteis para o desenvolvimento de deep techs. Esses setores não apenas são estratégicos para a economia nacional, mas também enfrentam desafios complexos que demandam soluções inovadoras baseadas em ciência avançada.

Na área da saúde, as deep techs brasileiras estão desenvolvendo desde biomateriais avançados até sistemas de diagnóstico baseados em inteligência artificial. Empresas como a Plenum, que desenvolve implantes dentários com tecnologia nacional, e a Magnamed, fabricante de ventiladores pulmonares, são exemplos de como a ciência aplicada pode gerar valor em um setor crucial para o bem-estar da população.

No agronegócio, setor que representa aproximadamente 25% do PIB brasileiro, as deep techs estão revolucionando desde o monitoramento de plantações até a criação de bioinsumos sustentáveis. A Agrosmart, que utiliza sensores avançados e inteligência artificial para agricultura de precisão, e a BUG Agentes Biológicos, pioneira no controle biológico de pragas, exemplificam o potencial transformador dessas tecnologias para aumentar a produtividade e sustentabilidade do campo.

Na área de energia, as deep techs brasileiras estão na vanguarda do desenvolvimento de soluções para a transição energética. Empresas como a Sunew, que desenvolve filmes fotovoltaicos orgânicos, e a Brasil Ozônio, especializada em tecnologias de tratamento de água e efluentes com ozônio, mostram como o conhecimento científico pode ser aplicado para criar soluções mais sustentáveis e eficientes.

Financiamento e o papel da filantropia na inovação científica

Um dos principais desafios para as deep techs é o acesso a capital adequado às suas necessidades específicas. Diferentemente das startups digitais tradicionais, essas empresas geralmente têm ciclos de desenvolvimento mais longos e demandam investimentos substanciais em infraestrutura, equipamentos e pessoal altamente qualificado.

Nesse cenário, a filantropia surge como uma fonte complementar de financiamento, especialmente nas fases iniciais de desenvolvimento. Fundações e instituições filantrópicas podem oferecer o chamado “capital paciente”, que não exige retornos imediatos e está mais alinhado aos ciclos de desenvolvimento das deep techs.

No Brasil, iniciativas como o Programa PIPE da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e o Programa Centelha do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações têm desempenhado papel crucial no financiamento inicial de deep techs. Esses programas oferecem não apenas recursos financeiros, mas também mentorias e acesso a redes de contatos essenciais para o desenvolvimento dessas empresas.

A filantropia de risco (venture philanthropy) também começa a ganhar espaço no ecossistema brasileiro, com fundações e institutos investindo em negócios de impacto baseados em ciência. Essa abordagem combina o rigor de investimentos tradicionais com a paciência e o foco no impacto característicos da filantropia, criando um modelo híbrido especialmente adequado para deep techs.

Políticas públicas e o ambiente regulatório brasileiro

O fortalecimento do ecossistema de deep techs no Brasil depende significativamente de políticas públicas que criem um ambiente favorável à inovação científica. Nos últimos anos, o país tem avançado na criação de marcos regulatórios importantes, como o Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação (Lei 13.243/2016), que facilitou a interação entre universidades e empresas.

Iniciativas como a Lei do Bem (Lei 11.196/2005), que oferece incentivos fiscais para empresas que investem em pesquisa e desenvolvimento, também têm sido fundamentais para estimular a inovação corporativa. No entanto, ainda há espaço para aprimoramentos, especialmente na simplificação de processos burocráticos e na criação de incentivos específicos para deep techs.

A recente Estratégia Nacional de Inovação e o Plano Nacional de Internet das Coisas (IoT) são passos importantes na direção de um ecossistema mais robusto. No entanto, é essencial que as políticas públicas sejam desenhadas considerando as particularidades das deep techs, como ciclos de desenvolvimento mais longos e necessidades específicas de infraestrutura e capital humano.

Casos de sucesso brasileiros em Deep Techs

O Brasil já conta com casos inspiradores de deep techs que conseguiram superar os desafios do ecossistema e alcançar sucesso nacional e internacional. Essas histórias mostram que, apesar das dificuldades, é possível transformar conhecimento científico em negócios inovadores e escaláveis no país.

A Prati-Donaduzzi, que começou como uma pequena farmácia e hoje é uma das maiores fabricantes de medicamentos genéricos do Brasil, é um exemplo de como a pesquisa científica pode impulsionar o crescimento de empresas nacionais. Com mais de 20 patentes registradas, a empresa investe continuamente em P&D para desenvolver novas formulações e processos produtivos.

No setor de biotecnologia, a Neoprospecta se destaca pelo desenvolvimento de tecnologias genômicas para identificação de microrganismos. Fundada em 2013 por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina, a empresa hoje oferece soluções para hospitais, indústrias alimentícias e de cosméticos, demonstrando como o conhecimento científico pode ser aplicado em diversos setores.

A Gaia Agritech, que desenvolve bioinsumos para agricultura a partir de microrganismos, é outro caso de sucesso que ilustra o potencial das deep techs no agronegócio brasileiro. A empresa conseguiu atrair investimentos significativos e hoje está expandindo sua atuação para mercados internacionais.

A inclusão de mulheres na ciência e tecnologia no Brasil

A diversidade é um fator crucial para a inovação, e o Brasil tem avançado na inclusão de mulheres em ciência e tecnologia, embora ainda haja um longo caminho a percorrer. Dados da CAPES mostram um crescimento significativo na participação feminina em programas de pós-graduação, com aumento de 10% no número de bolsas de pesquisa para mulheres entre 2022 e 2025.

No ecossistema de startups e deep techs, iniciativas como o Programa Mulheres na Ciência, da Serrapilheira, e o Women in Tech Brasil têm contribuído para aumentar a representatividade feminina. Essas ações são fundamentais não apenas por uma questão de equidade, mas também porque equipes diversas tendem a ser mais inovadoras e a desenvolver soluções mais abrangentes.

Exemplos inspiradores como Ana Claudia Zenaro, cofundadora da Regenera, empresa de biotecnologia voltada para medicina regenerativa, e Gabriela Mallmann, fundadora da Horus Aeronaves, demonstram que as mulheres estão na vanguarda da inovação científica no Brasil. Essas empreendedoras não apenas desenvolvem tecnologias disruptivas, mas também servem de modelo para novas gerações de cientistas e empreendedoras.

Deep Techs e sustentabilidade: soluções para desafios ambientais brasileiros

O Brasil enfrenta desafios ambientais significativos, desde a preservação da Amazônia até a gestão sustentável de recursos hídricos. As deep techs surgem como aliadas importantes na busca por soluções inovadoras para esses problemas complexos.

Empresas como a Treevia, que desenvolveu um sistema de monitoramento florestal com sensores IoT, estão revolucionando a forma como gerenciamos nossas florestas. Sua tecnologia permite o monitoramento em tempo real do crescimento das árvores e da saúde da floresta, contribuindo para a conservação e o manejo sustentável.

No setor de tratamento de resíduos, a Boomera se destaca pelo desenvolvimento de tecnologias para transformar resíduos difíceis de reciclar em novos materiais. A empresa colabora com grandes indústrias para implementar processos de economia circular, reduzindo o impacto ambiental de suas operações.

A Inca Genius, que desenvolve biopolímeros a partir de resíduos agroindustriais, é outro exemplo de como a ciência pode ser aplicada para criar soluções sustentáveis. Seus materiais biodegradáveis podem substituir plásticos convencionais em diversas aplicações, contribuindo para a redução da poluição por plásticos.

A colaboração entre universidades e empresas para fomentar a cultura empreendedora

A aproximação entre academia e mercado é essencial para o florescimento de deep techs. No Brasil, essa colaboração tem se intensificado nos últimos anos, com universidades criando programas de empreendedorismo, incubadoras e escritórios de transferência de tecnologia.

Iniciativas como o CITI (Centro de Inovação, Tecnologia e Empreendedorismo) da USP e o Parque Científico e Tecnológico da Unicamp são exemplos de espaços que fomentam essa integração. Esses ambientes proporcionam não apenas infraestrutura física, mas também mentorias, conexões com investidores e suporte jurídico para pesquisadores que desejam transformar suas descobertas em negócios.

As fintechs, por sua experiência em inovação e captação de investimentos, podem desempenhar papel importante nesse ecossistema. Empresas como Nubank e Stone têm colaborado com universidades em programas de formação e aceleração, compartilhando conhecimentos sobre desenvolvimento de produto, experiência do usuário e estratégias de crescimento.

O programa PIT (Parcerias para Inovação Tecnológica) da FAPESP é outro exemplo bem-sucedido de colaboração entre academia e setor privado. O programa cofinancia projetos de pesquisa desenvolvidos por universidades em parceria com empresas, acelerando a transferência de conhecimento para o mercado.

Tendências e oportunidades para investidores brasileiros

O mercado de deep techs representa uma oportunidade atrativa para investidores dispostos a apostar em inovações de alto impacto. Globalmente, esse setor tem atraído investimentos crescentes, com projeções que se aproximam de 1 trilhão de reais até 2025, segundo o Boston Consulting Group.

No Brasil, fundos especializados como o Fundo Criatec, o Fundo Primatec e o Fundo Vale têm direcionado recursos para deep techs em diversos setores. Esses investidores entendem as particularidades dessas empresas e estão dispostos a fornecer não apenas capital, mas também conexões e mentorias especializadas.

Para investidores anjo e family offices, as deep techs oferecem a possibilidade de diversificação de portfólio com empresas que, embora apresentem maior risco, têm potencial de retornos excepcionais e impacto significativo. A crescente maturidade do ecossistema brasileiro, com casos de sucesso e saídas bem-sucedidas, tem aumentado a confiança dos investidores nesse segmento.

As corporate ventures também têm papel importante no financiamento de deep techs no Brasil. Empresas como Embraer, Natura e Vale mantêm fundos de investimento focados em startups de base tecnológica, buscando complementar suas estratégias de inovação e identificar soluções disruptivas para seus desafios.

As deep techs brasileiras estão construindo um novo capítulo na história da inovação nacional. Com base em ciência avançada e tecnologias disruptivas, essas empresas têm o potencial de transformar setores estratégicos da economia, gerar empregos qualificados e posicionar o Brasil como um polo global de inovação.

Para que esse potencial seja plenamente realizado, é essencial o engajamento coordenado de todos os atores do ecossistema: empreendedores, cientistas, investidores, universidades e formuladores de políticas públicas. Juntos, podemos criar um ambiente onde o conhecimento científico se traduz em soluções inovadoras para os desafios mais complexos da sociedade.

O futuro da inovação no Brasil passa, inevitavelmente, pelas deep techs. E esse futuro já começou a ser construído por empreendedores visionários que acreditam no poder transformador da ciência aplicada aos problemas reais.

Referências:

https://startupi.com.br/o-novo-capital-da-inovacão/
https://www.technologyreview.com/2021/06/21/1026138/what-is-deep-tech/
https://publications.iadb.org/publications/english/document/Deep-Tech-The-New-Wave.pdf

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