Dona Onete, a icônica artista paraense, prova que nunca é tarde para brilhar. Com sua história de superação, ela transforma tradições da Amazônia em carimbó chamegado, inspirando novas gerações a valorizarem suas raízes. Sua trajetória única entre educação e música destaca a importância da perseverança e autenticidade na busca por sonhos.
Dona Onete representa uma das figuras mais icônicas da música paraense contemporânea, conquistando reconhecimento nacional e internacional após os 60 anos de idade. Sua trajetória única como educadora, sindicalista e criadora do carimbó chamegado demonstra como a perseverança e o talento podem florescer em qualquer fase da vida, levando a cultura amazônica aos palcos do mundo inteiro.
A formação de Dona Onete aconteceu sob a influência direta de sua avó paterna, Quitéria, uma parteira respeitada em todo o Pará. Durante a infância, ela acompanhava a avó em viagens pelos interiores da região, absorvendo conhecimentos sobre remédios naturais, chás de cura e os saberes ancestrais da cultura amazônica. Essas experiências profundas moldaram sua visão de mundo e posteriormente influenciaram tanto seu método de ensino quanto sua expressão musical.
O contato constante com o rio e a floresta funcionou como uma escola natural, onde Dona Onete aprendeu a valorizar a imaginação e a conexão com a natureza. Ela frequentemente enfatiza a importância das crianças observarem as estrelas e compreenderem a floresta, permitindo que sua criatividade se desenvolva livremente. Esses ensinamentos da avó tornaram-se elementos fundamentais de sua identidade artística e pedagógica.
Após completar apenas a quinta série na infância, seguindo a orientação da avó de que isso seria suficiente, Dona Onete tomou a corajosa decisão de retomar os estudos na vida adulta. Essa escolha enfrentou forte resistência do marido, que desvalorizava seus esforços acadêmicos e ridicularizava seus diplomas. Mesmo diante dessas críticas, ela manteve-se firme em seu propósito e conseguiu se formar como professora.
Sua carreira docente abrangeu disciplinas como Geografia, História, Português e Matemática, sempre focando no ensino de crianças. A estabilidade profissional proporcionou-lhe independência financeira e, mais importante, a força necessária para se libertar de um relacionamento abusivo. A educação tornou-se sua ferramenta de empoderamento e transformação pessoal.
A participação no movimento sindical marcou um período crucial de sua vida, especialmente após sair do casamento problemático. Dona Onete engajou-se ativamente na luta por melhores condições de trabalho para os educadores paraenses, enfrentando autoridades locais em protestos contra salários atrasados. Sua participação foi tão significativa que esteve presente na fundação da CUT, a maior central sindical da América Latina.
Durante a ditadura militar, os encontros sindicais representavam riscos reais, mas ela continuou participando corajosamente das atividades e cursos de formação. Apesar de enfrentar resistência por ser mulher em um ambiente predominantemente masculino, sua determinação nunca vacilou. Essa experiência sindical foi fundamental para sua superação pessoal e consolidação da independência.
O carimbó chamegado surgiu como uma criação original de Dona Onete, representando uma versão mais romântica e sensual do carimbó tradicional amazônico. Este ritmo ancestral, marcado pela percussão dos tambores e influências indígenas, africanas e ibéricas, ganhou uma nova dimensão através de sua interpretação artística.
A palavra “chamegado” expressa uma forma carinhosa de se aproximar, um afeto doce e delicado que não chega a ser namoro, mas transborda ternura. Dona Onete explica que o chamego equivale a passar a mão na cabeça, dar um cheirinho e partir, sempre com muita delicadeza e carinho. Esse conceito reflete aspectos profundos da cultura paraense e permeia tanto suas atitudes pessoais quanto sua expressão musical.
A renovação do carimbó através do estilo chamegado trouxe frescor à música regional, conquistando admiradores no Brasil e no exterior. Essa identidade única e personalíssima estabeleceu um novo legado para o ritmo tradicional, mantendo suas raízes while agregando elementos contemporâneos.
O início da carreira musical de Dona Onete aconteceu tardiamente, após os 60 anos, depois de décadas dedicadas ao magistério e aos cuidados familiares. A transição começou com a criação de um grupo de danças folclóricas e apresentações em shows locais, que gradualmente despertaram o interesse de produtores e críticos musicais.
Em 2012, aos 73 anos, ela lançou seu álbum de estreia “Feitiço Caboclo”, que imediatamente chamou a atenção da crítica especializada e de produtores internacionais. A obra apresenta uma fusão única entre ritmos amazônicos tradicionais e elementos musicais contemporâneos, criando uma sonoridade envolvente e autêntica que transcende barreiras geracionais e culturais.
O sucesso de “Feitiço Caboclo” abriu as portas para apresentações nos Estados Unidos, Portugal, França e Reino Unido, levando o som paraense a audiências completamente novas. Sua música conseguiu manter viva a tradição cultural da Amazônia enquanto a apresentava de forma acessível e cativante para o público internacional.
O reconhecimento nacional e internacional de Dona Onete consolidou-se rapidamente após o lançamento de seu primeiro álbum. O prestigioso jornal britânico London Evening Standard elogiou sua música como animada e dançante, destacando particularmente o saxofone marcante e a percussão ágil que caracterizam suas composições.
Suas apresentações internacionais incluíram programas da BBC em Londres, demonstrando como a música amazônica pode conquistar espaços na mídia mundial. No Brasil, suas canções celebram símbolos culturais paraenses como a erva jambu e o histórico Mercado Ver-o-Peso, conectando tradição e modernidade de forma harmoniosa.
A influência de Dona Onete na música brasileira pode ser medida pelo reconhecimento de grandes artistas como Daniela Mercury, Gaby Amarantos e Fafá de Belém, que gravaram suas composições. Essas colaborações evidenciam como seu trabalho ressoa entre diferentes gerações de músicos e contribui para a valorização da cultura regional em âmbito nacional.
O legado musical de Dona Onete para a cultura paraense é imensurável, especialmente através de sua criação do carimbó chamegado, que uniu o ritmo tradicional com elementos carinhosos e sensuais. Sua contribuição vai além da música, abrangendo a preservação e renovação da cultura amazônica, levando-a a reconhecimento nacional e internacional.
Sua história de superação pessoal e profissional serve como inspiração para novas gerações, demonstrando a importância de valorizar as raízes locais enquanto se busca crescimento e realização pessoal. Grandes artistas continuam citando sua influência, reconhecendo seu papel fundamental na preservação e modernização da tradição musical paraense.
A autoestima do povo paraense foi fortalecida através do trabalho de Dona Onete, que provou que a cultura regional possui valor universal. Sua voz e atitude inspiram jovens artistas a conhecerem e valorizarem as riquezas culturais do Pará, mantendo vivas as tradições enquanto as adaptam aos tempos contemporâneos.
Ao refletir sobre sua trajetória, Dona Onete demonstra uma visão clara e honesta sobre os desafios enfrentados. Ela reconhece que decisões como o casamento e a mudança para o interior trouxeram dificuldades, mas valoriza as lições aprendidas nessas experiências. O conhecimento, a música e a educação foram as forças que a definiram e promoveram seu crescimento pessoal.
Mesmo admitindo ter caminhado por rumos errados até encontrar seu verdadeiro caminho, ela se considera dona de sua própria história. Seus conselhos enfatizam a importância da coragem e da perseverança, provando que é possível superar obstáculos e se reinventar em qualquer fase da vida.
A mensagem de superação de Dona Onete ressoa especialmente forte porque vem de alguém que transformou adversidades em oportunidades de crescimento. Sua trajetória exemplifica como a determinação pessoal, combinada com o respeito às próprias raízes culturais, pode gerar realizações extraordinárias independentemente da idade.
A história de Dona Onete representa muito mais que o sucesso tardio de uma artista; simboliza a força da cultura amazônica e a importância de preservar tradições enquanto se abraça a inovação. Sua trajetória como professora, sindicalista e criadora do carimbó chamegado demonstra que talentos genuínos podem florescer a qualquer momento, inspirando gerações futuras a valorizarem suas origens e perseguirem seus sonhos com determinação. O legado de Dona Onete permanece como um convite permanente para celebrarmos a riqueza cultural da Amazônia e as histórias de vida que nos ensinam sobre coragem, reinvenção e autenticidade.
Referências
https://www.sescsp.org.br/dona-onete-a-rainha-do-carimbo-chamegado-anima-o-sesctv/
https://brasil.elpais.com/brasil/2019/09/20/cultura/1568989589_422731.html