A inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho brasileiro tem avançado de forma tímida, mesmo após mais de três décadas da criação de legislação específica. Dados recentes do IBGE mostram que apenas 26,6% das empresas cumprem integralmente as cotas para PCDs, enquanto 73,5% não atendem plenamente a legislação. Esse cenário revela um preocupante retrocesso no processo de inclusão no ambiente corporativo nacional.

No Brasil, aproximadamente 45,6 milhões de pessoas declaram ter algum tipo de deficiência, o que representa quase um quarto da população. Contudo, enquanto a taxa de ocupação entre pessoas sem deficiência ultrapassa 60%, entre PCDs esse índice cai para apenas 26,6%. Essa disparidade evidencia a existência de barreiras estruturais e culturais que impedem a plena inclusão dessas pessoas no mercado formal.

A Lei 8.213/91, conhecida como Lei de Cotas, estabeleceu há mais de 30 anos que empresas com mais de 100 funcionários devem reservar de 2% a 5% de suas vagas para pessoas com deficiência. Apesar do tempo de vigência, muitas organizações ainda encaram essa determinação como um fardo burocrático e não como uma oportunidade de promoção da diversidade e justiça social.

O cenário atual apresenta dados preocupantes: apenas 26,6% das empresas cumprem integralmente as cotas, enquanto 24,8% as atendem apenas parcialmente. Mais alarmante ainda é o fato de que 12,7% das organizações sequer sabem se estão em conformidade com a legislação, demonstrando uma clara falta de monitoramento e comprometimento com a inclusão.

As barreiras para a inclusão efetiva de PCDs são diversas e se manifestam em diferentes níveis. Problemas de acessibilidade física nos ambientes corporativos, falta de adaptação de processos seletivos, preconceito e desconhecimento sobre as reais capacidades das pessoas com deficiência são apenas alguns dos obstáculos enfrentados por esse grupo.

A desigualdade se torna ainda mais acentuada quando analisamos recortes específicos, como o de gênero. Mulheres com deficiência enfrentam uma dupla discriminação no ambiente de trabalho. Enquanto a média salarial das mulheres no Brasil já é 17,2% inferior à dos homens, entre as pessoas com deficiência essa disparidade chega a 28,5%. Esse dado evidencia como diferentes formas de discriminação podem se interseccionar, agravando as desigualdades sociais.

O papel dos departamentos de Recursos Humanos é fundamental para mudar esse cenário. O RH precisa atuar estrategicamente na inclusão, indo além do simples recrutamento para cumprir cotas. É necessário desenvolver uma abordagem integrada que inclua a adequação de processos seletivos, mapeamento de funções compatíveis, promoção de treinamentos específicos e, principalmente, a criação de uma cultura organizacional verdadeiramente inclusiva.

Muitas empresas alegam dificuldade em encontrar profissionais PCDs qualificados, mas essa justificativa frequentemente mascara a falta de investimento em programas de capacitação e desenvolvimento. Parcerias com instituições especializadas, programas de mentoria e a criação de planos de carreira adaptados podem ajudar a superar essa barreira.

Algumas organizações brasileiras já perceberam os benefícios de promover a inclusão de forma genuína. A Natura, por exemplo, desenvolve um programa estruturado de inclusão que vai além do cumprimento legal, com adaptações físicas completas em suas instalações e processos de acompanhamento individualizado. O Grupo Boticário implementou um programa chamado “Sou Capaz”, que oferece capacitação profissional para PCDs e preparação das equipes para recebê-los. O Itaú Unibanco mantém parcerias com instituições como a APAE e a Associação Brasileira de Diversidade para identificar talentos e proporcionar oportunidades reais de desenvolvimento profissional.

A inclusão de PCDs traz benefícios significativos para as organizações. Empresas com equipes diversas tendem a ser mais inovadoras, apresentam melhor clima organizacional e desenvolvem uma cultura mais empática e resiliente. Além disso, organizações inclusivas fortalecem sua reputação no mercado e tendem a apresentar melhor desempenho em avaliações de ESG (Environmental, Social and Governance), fatores cada vez mais valorizados por investidores e consumidores.

Para avançar na promoção da equidade e no cumprimento das cotas em diferentes regiões do Brasil, é fundamental que as empresas implementem algumas práticas essenciais:

  1. Instituir comitês de diversidade e inclusão com participação ativa de PCDs na tomada de decisões;
  2. Promover auditorias de acessibilidade para identificar e eliminar barreiras físicas e comunicacionais;
  3. Desenvolver programas de capacitação específicos e estabelecer parcerias com instituições educacionais;
  4. Monitorar sistematicamente indicadores de inclusão, com metas claras e mensuráveis;
  5. Sensibilizar lideranças e equipes para eliminar preconceitos e vieses inconscientes;
  6. Criar mecanismos de escuta ativa para entender as necessidades específicas dos colaboradores com deficiência.

O Brasil apresenta disparidades regionais significativas quanto à inclusão de PCDs. Enquanto estados do Sul e Sudeste tendem a apresentar maiores índices de cumprimento das cotas, regiões Norte e Nordeste enfrentam desafios adicionais relacionados à infraestrutura urbana e disponibilidade de recursos especializados. Isso reforça a necessidade de políticas públicas regionalizadas e maior fiscalização dos órgãos competentes.

A verdadeira inclusão vai muito além do cumprimento numérico de cotas. Ela implica criar ambientes de trabalho onde pessoas com deficiência possam desenvolver todo seu potencial, com oportunidades reais de crescimento profissional e reconhecimento. Quando empresas enxergam a diversidade como um valor e não como uma obrigação, todos ganham – os profissionais PCDs, as organizações e a sociedade como um todo.

Referências:

  1. https://quarkrh.com.br/blog/73-das-empresas-nao-cumprem-cotas-para-pcds/
  2. https://www.cnnbrasil.com.br/business/inclusao-de-pessoas-com-deficiencia-como-as-empresas-estao-lidando-com-a-questao/
  3. https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2021/07/25-anos-da-lei-de-cotas-inclusao-de-pessoas-com-deficiencia-ainda-enfrenta-desafios
  4. https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2024-03/censo-2022-quase-19-milhoes-de-pessoas-com-deficiencia-no-brasil-tem