O aumento nas ações trabalhistas no Brasil reflete transformações significativas no relacionamento entre trabalhadores e Justiça do Trabalho. Com a projeção de 2,3 milhões de processos em 2025, os desafios para o sistema judiciário se intensificam, enquanto a cessão de crédito judicial surge como uma alternativa para oferecer liquidez a trabalhadores na espera de seus direitos. A gestão proativa de Recursos Humanos se torna essencial para empresas, que devem se adaptar a esse novo cenário e minimizar conflitos trabalhistas.
O cenário das ações trabalhistas no Brasil está passando por uma transformação significativa. Entre janeiro e junho de 2025, foram ajuizadas 1,87 milhão de ações na primeira instância, representando um crescimento de 7,8% em relação ao mesmo período do ano anterior. A projeção do Tribunal Superior do Trabalho aponta para um total de 2,3 milhões de processos ao final do ano, o maior volume registrado nos últimos oito anos.
Essa escalada representa um retorno aos patamares anteriores à reforma trabalhista de 2017, sinalizando uma mudança estrutural no panorama jurídico brasileiro. Os números revelam não apenas um aumento quantitativo, mas também transformações qualitativas na forma como trabalhadores e empresas se relacionam com a Justiça do Trabalho.
A decisão do Supremo Tribunal Federal em 2021 foi um marco determinante para esse crescimento. Ao derrubar a regra que obrigava trabalhadores de baixa renda a arcar com honorários advocatícios em caso de derrota processual, o STF ampliou significativamente o acesso à Justiça. Essa mudança removeu uma barreira financeira que anteriormente desencorajava muitos trabalhadores a buscar seus direitos na esfera judicial.
O impacto dessa decisão transcendeu as expectativas iniciais. Se por um lado democratizou o acesso à Justiça, por outro provocou um efeito cascata que contribuiu diretamente para o aumento expressivo de novas demandas. A medida reflete o constante debate entre a garantia de direitos fundamentais e os desafios operacionais do sistema judiciário brasileiro.
Uma das principais transformações observadas é a consolidação do setor de serviços como principal gerador de ações trabalhistas. Em 2024, esse setor foi responsável por 556 mil novos casos, estabelecendo um recorde histórico e representando 26,6% de todos os novos processos. Essa liderança marca uma mudança significativa, já que historicamente a indústria ocupava essa posição.
Essa alteração no perfil dos setores demandantes reflete a própria evolução da economia brasileira. A expansão das atividades de serviços, intensificada após a pandemia, resultou em maior volume de contratações, demissões e, consequentemente, em mais disputas judiciais. Setores como delivery, tecnologia, turismo e hotelaria experimentaram crescimento acelerado, mas também enfrentaram desafios na adequação às normas trabalhistas.
O aumento no volume de ações trabalhistas está gerando impactos diretos no tempo de tramitação dos processos. Atualmente, o Brasil acumula mais de 10,1 milhões de processos ativos na Justiça do Trabalho, que somam mais de R$ 1 trilhão em pedidos de indenização. Uma ação leva, em média, cinco anos para ser concluída, mas em muitos casos o trabalhador ainda precisa aguardar mais três anos após a vitória em segunda instância para receber os valores devidos.
Com o novo recorde de ações, a tendência é que essa fila se torne ainda maior, prolongando os prazos e dificultando o acesso dos trabalhadores aos recursos que lhes são devidos. Essa situação cria um paradoxo: ao mesmo tempo em que mais trabalhadores conseguem acessar a Justiça, aqueles que já estão no sistema enfrentam esperas cada vez mais longas.
Diante dessa realidade, ganha relevância a cessão de crédito judicial, prevista no artigo 286 do Código Civil. Essa modalidade permite que trabalhadores vendam os valores de suas ações já ganhas em segunda instância para empresas especializadas, que antecipam até 80% do valor líquido do processo. O procedimento é inteiramente digital e pode ser concluído em até 24 horas, oferecendo liquidez imediata.
Além da agilidade, a cessão de crédito judicial oferece proteção contra riscos futuros, como a falência da empresa condenada, situação que poderia inviabilizar completamente o pagamento. Para trabalhadores que aguardam há anos por seus direitos, essa alternativa representa uma solução prática e segura para acessar recursos financeiros de forma antecipada.
Outro aspecto em discussão é a autodeclaração para acesso à Justiça gratuita. Atualmente, basta o trabalhador assinar um documento declarando não ter condições de arcar com os custos processuais para obter o benefício. O STF está analisando se essa prática deve ser mantida, mas o julgamento permanece suspenso.
Casos polêmicos têm surgido, mostrando pessoas com alto poder aquisitivo conseguindo o benefício da gratuidade processual. Essa situação alimenta o debate sobre o equilíbrio entre a garantia de acesso à Justiça e a responsabilidade processual, evidenciando a complexidade das questões que envolvem as ações trabalhistas no país.
O cenário atual das ações trabalhistas sinaliza transformações profundas no panorama jurídico e econômico brasileiro. O aumento de processos, a sobrecarga do sistema judiciário e o surgimento de alternativas como a cessão de crédito judicial indicam mudanças estruturais na forma como trabalhadores e empresas lidam com conflitos laborais.
As projeções para os próximos anos sugerem que essa tendência de crescimento deve se manter, especialmente se o setor de serviços continuar expandindo e novas regulamentações não forem implementadas. A digitalização crescente da economia e o surgimento de novas modalidades de trabalho também podem contribuir para o aumento das demandas judiciais.
Neste contexto de crescimento acelerado das ações trabalhistas, a gestão eficiente de Recursos Humanos torna-se ainda mais estratégica para as empresas. Profissionais de RH e Departamento Pessoal precisam estar atentos às tendências jurídicas e implementar práticas preventivas que reduzam o risco de conflitos trabalhistas.
Uma gestão proativa de RH inclui o cumprimento rigoroso das obrigações trabalhistas, a manutenção de documentação adequada, o treinamento contínuo de gestores e a implementação de canais eficazes de comunicação com os colaboradores. Essas medidas não apenas previnem litígios, mas também contribuem para um ambiente de trabalho mais saudável e produtivo.
Além disso, é fundamental que as empresas mantenham-se atualizadas sobre as alternativas disponíveis para trabalhadores, como a cessão de crédito judicial, para poder orientar adequadamente seus colaboradores quando necessário. Essa postura demonstra responsabilidade social e pode contribuir para fortalecer as relações de trabalho.
Referências
https://quarkrh.com.br/blog/acoes-trabalhistas-batem-recorde-em-2025/
https://www.consultoriatributaria.com.br/reforma-trabalhista-impactos-e-perspectivas/
https://www.jornalcontabil.com.br/justica-do-trabalho-numero-de-processos-volta-a-crescer-apos-a-reforma/
https://www.tst.jus.br/web/portal/-/tst-registra-aumento-no-n%C3%BAmero-de-processos-em-2023