O Cenário das Retailtechs no Brasil: Investimentos, Tecnologias e Tendências para 2024
O primeiro semestre de 2024 consolidou-se como um período significativo para o ecossistema de retailtechs brasileiras, que captaram impressionantes R$ 1,5 bilhão em investimentos distribuídos em 25 rodadas. Este montante expressivo, revelado por um estudo recente da Liga Ventures, sinaliza a contínua confiança dos investidores no potencial transformador das soluções tecnológicas voltadas para o varejo nacional, mesmo em um cenário de maior cautela nos aportes para startups em geral.
A análise, que mapeou 507 startups ativas no segmento, evidencia um ecossistema diversificado e em constante renovação, com 17% das empresas tendo sido fundadas entre 2021 e junho de 2025. Este dado revela que, mesmo diante das incertezas econômicas dos últimos anos, empreendedores brasileiros continuam identificando oportunidades significativas na digitalização e modernização do comércio varejista.
Entre as categorias que mais atraíram novos entrantes neste período recente, destacam-se as soluções de análise de dados e ferramentas de comunicação com clientes (ambas com 9%), seguidas por tecnologias para operações de vendas, plataformas de e-commerce e iniciativas de sustentabilidade (cada uma representando 7% das novas empresas). Esta distribuição reflete claramente as prioridades atuais do varejo: conhecer profundamente o comportamento do consumidor, estabelecer canais de comunicação eficientes, otimizar processos operacionais e adaptar-se às crescentes demandas por sustentabilidade.
No panorama geral, as 507 retailtechs foram categorizadas em 31 segmentos distintos. Comunicação com clientes lidera com 10,3% do total, evidenciando a centralidade das estratégias de engajamento no varejo contemporâneo. Na sequência aparecem análise de dados (7,7%), personalização de e-commerce (7,5%), gerenciamento de loja (7,1%), iniciativas sustentáveis, meios de pagamento e chatbots (cada uma com 4,7%).
Merece atenção a emergência de nichos altamente especializados, como gestão de hotspots (0,6%), análise de rupturas (1%) e soluções para notas fiscais (1,2%), que demonstram o elevado grau de especialização alcançado pelo setor e a busca por resolução de pontos críticos específicos do varejo brasileiro.
A tecnologia mais adotada pelas retailtechs nacionais é, sem surpresas, a inteligência artificial, presente em 138 das startups mapeadas. Suas aplicações abrangem desde análise preditiva para gestão de estoques até sistemas de precificação dinâmica baseados em comportamento de consumo. O mercado também valoriza significativamente as APIs (39%), soluções de data analytics (32%), ferramentas específicas de IA (28%), big data (22%) e dashboards (21%).
Esta combinação tecnológica reflete a necessidade do varejo em integrar sistemas legados com novas soluções (APIs), extrair insights acionáveis de grandes volumes de dados (analytics e big data) e apresentá-los de forma compreensível (dashboards) para tomadas de decisão mais ágeis e precisas.
A distribuição geográfica das retailtechs brasileiras ainda apresenta concentração significativa em São Paulo, que abriga 48% das startups do segmento. Este percentual, embora expressivo, aponta para uma gradual descentralização quando comparado a levantamentos anteriores do setor. Santa Catarina emerge como segundo polo mais relevante (12%), seguida por Minas Gerais (9%), Paraná (8%) e Rio de Janeiro (6%).
Outros estados com participação digna de nota são Rio Grande do Sul (5%), Espírito Santo e Pernambuco (ambos com 2%), além de Bahia e Ceará (1% cada). Esta distribuição, ainda que desigual, demonstra o surgimento de hubs regionais de inovação para o varejo, frequentemente alinhados a polos comerciais e industriais já estabelecidos nessas localidades.
O perfil de maturidade das empresas analisadas revela um setor ainda em consolidação: 47% são classificadas como emergentes, 20% encontram-se em estágio estável, 19% são nascentes e apenas 14% adotam modelos considerados disruptivos. Quanto ao modelo de negócios, há uma predominância expressiva de soluções voltadas ao mercado corporativo, com 83% das startups atendendo exclusivamente o público B2B.
Esta concentração no modelo B2B reflete tanto a complexidade das operações varejistas – que demandam soluções robustas e especializadas – quanto as vantagens estratégicas deste modelo para startups em fase de crescimento, como tickets médios mais elevados e ciclos de vendas previsíveis.
Daniel Grossi, cofundador da Liga Ventures, destaca que o momento atual é marcado pela busca dos varejistas por maior eficiência operacional e estratégias mais assertivas para retenção de clientes. “Apesar da retração no volume total de investimentos em comparação a anos anteriores, observamos uma demanda crescente por tecnologias de hiperpersonalização e aplicações de inteligência artificial generativa”, afirma o especialista.
Esta tendência de hiperpersonalização tem transformado a maneira como varejistas brasileiros se relacionam com seus clientes. Utilizando dados comportamentais, histórico de compras e preferências declaradas, as retailtechs estão desenvolvendo sistemas capazes de oferecer experiências únicas e altamente relevantes, aumentando significativamente as taxas de conversão e fidelização.
A inteligência artificial generativa, por sua vez, vem encontrando aplicações inovadoras no varejo nacional. Desde a criação automatizada de descrições de produtos e conteúdos para campanhas até assistentes virtuais com capacidade de conversação natural, esta tecnologia promete revolucionar diversos aspectos da operação varejista.
O estudo da Liga Ventures também indica que, mesmo com a redução nos valores totais de investimento quando comparados aos anos de pico durante a pandemia, o interesse de grandes corporações do varejo por aquisições estratégicas permanece aquecido. Os segmentos mais visados para estas transações são logística de última milha, soluções de pagamento e serviços financeiros integrados ao varejo.
Esta movimentação de M&A (fusões e aquisições) evidencia uma mudança na estratégia dos grandes varejistas brasileiros, que cada vez mais enxergam a incorporação de inovações via aquisição de startups como caminho mais eficiente para sua transformação digital do que o desenvolvimento interno dessas capacidades.
Para retailtechs em operação em regiões fora do eixo Sul-Sudeste, o estudo aponta desafios específicos relacionados ao acesso a capital de risco e talentos especializados. No entanto, estas empresas frequentemente desenvolvem vantagens competitivas baseadas em seu profundo conhecimento das necessidades e particularidades do comércio regional, criando soluções altamente adaptadas às realidades locais.
Outro ponto destacado pelo levantamento é a crescente interseção entre retailtechs e iniciativas de ESG (Environmental, Social and Governance). O varejo brasileiro tem experimentado pressão crescente – tanto regulatória quanto do mercado consumidor – para adotar práticas mais sustentáveis, o que tem impulsionado o surgimento de startups focadas em rastreabilidade de produtos, economia circular, logística reversa e redução de desperdício.
As perspectivas para o segundo semestre de 2024 e início de 2025 apontam para a consolidação das tendências já observadas: maior especialização das soluções, crescente adoção de inteligência artificial aplicada a casos de uso específicos do varejo e expansão das integrações entre o mundo físico e digital, atendendo ao comportamento omnichannel do consumidor brasileiro.
O atual cenário de varejo no Brasil, que vem apresentando recuperação nas vendas devido à redução gradual das taxas de juros, como apontado em relatório recente da Inside Retail Asia, cria um ambiente favorável para a adoção de novas tecnologias. Varejistas, com margens operacionais mais confortáveis, tendem a investir em soluções que otimizem suas operações e melhorem a experiência do cliente.
O estudo da Liga Ventures demonstra que, mesmo com desafios macroeconômicos e a natural seleção de modelos de negócio que ocorre em ciclos de financiamento mais restritos, o ecossistema de retailtechs brasileiras mantém-se vibrante e inovador, posicionando o país como um dos principais laboratórios globais para tecnologias aplicadas ao varejo.
Referências:
https://startupi.com.br/retailtechs-brasileiras-recebem-r-1-5-bilhao/
https://www.insideretail.asia/2024/05/27/brazils-retail-sales-pick-up-as-interest-rates-ease/