O espetáculo teatral como ferramenta de conscientização sobre a exaustão no ambiente corporativo

No palco, duas trajetórias profissionais se entrelaçam ao longo de anos: um sobe enquanto a outra tenta escalar; ela atinge o topo e depois desaba; ambos se reencontram em silêncio numa sala de entrevista. Este é o enredo do espetáculo “Dá Trabalho!”, que através do teatro expõe uma realidade cada vez mais presente nas empresas brasileiras: a exaustão mental e o burnout no ambiente corporativo.

A peça teatral usa o humor como instrumento de reflexão para confrontar espectadores com uma verdade incômoda – somos uma sociedade adoecida pelo trabalho. O impacto da dramatização é direto: quando nos vemos representados, o riso nervoso surge do reconhecimento. “Só rimos do que reconhecemos”, como bem observa Cris Wersom, uma das criadoras do espetáculo. E este reconhecimento coletivo mostra que o problema está longe de ser individual.

A epidemia de burnout no Brasil: dados alarmantes que exigem atenção do RH

Os números são alarmantes: o Brasil figura como o segundo país com maior número de casos de burnout no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde. Uma em cada três pessoas sofre de esgotamento emocional relacionado ao trabalho, conforme dados da ISMA-BR (International Stress Management Association). Em 2023, foram registrados quase 500 mil afastamentos por transtornos mentais, representando um aumento de 68% em relação ao ano anterior.

Esta realidade estabelece um cenário crítico para departamentos de Recursos Humanos em todo o país. A saúde mental deixou de ser um tema periférico e tornou-se central na gestão de pessoas. O esgotamento profissional não é mais exceção – transformou-se em regra estatística que demanda ação imediata dos líderes organizacionais.

Os custos invisíveis do esgotamento profissional: impactos na produtividade e retenção de talentos

Para além do sofrimento humano, existe um impacto financeiro substancial. O Fórum Econômico Mundial estima que a perda de produtividade por questões emocionais custa aproximadamente US$ 1 trilhão anualmente em escala global. São custos que não aparecem diretamente nos balanços financeiros, mas que corroem a competitividade e a sustentabilidade dos negócios.

Entre os custos invisíveis mais significativos estão a rotatividade elevada, o presenteísmo (estar presente fisicamente, mas ausente mentalmente), a queda na qualidade do trabalho e o clima organizacional tóxico. Quando profissionais talentosos deixam a empresa devido ao esgotamento, levam consigo conhecimento, relacionamentos e investimentos em treinamento – perdas raramente contabilizadas nos relatórios de turnover.

Além dos números: o lado humano por trás das estatísticas de transtornos mentais relacionados ao trabalho

Os dados são expressivos, mas não contam a história completa. Por trás de cada afastamento por transtorno mental existe uma pessoa com sonhos, responsabilidades e relacionamentos afetados. O profissional que responde “tudo bem” com um sorriso enquanto “carrega o mundo nas costas” representa milhares de brasileiros vivendo uma realidade insustentável.

Esta contradição entre a aparência de normalidade e o sofrimento interno é um tema central no espetáculo “Dá Trabalho!”. A peça expõe a desconexão entre o discurso corporativo de bem-estar e a realidade de profissionais pressionados a demonstrar constantemente alto desempenho, mesmo à custa de sua saúde física e mental.

O papel transformador do RH na prevenção da exaustão corporativa

Os departamentos de Recursos Humanos estão na linha de frente deste desafio. Mais que administradores de benefícios ou executores de processos de recrutamento, profissionais de RH precisam se posicionar como agentes transformadores da cultura organizacional. Seu papel é crucial para identificar ambientes tóxicos, implementar políticas de prevenção e construir espaços de trabalho que promovam saúde mental.

Como agentes de mudança, cabe ao RH questionar: o que nossa cultura organizacional está incentivando? Quem ela está adoecendo? A jornada começa pelo reconhecimento da existência do problema e pela coragem de transformar práticas enraizadas que, embora possam gerar resultados de curto prazo, comprometem a sustentabilidade humana da organização a longo prazo.

Hiperconectividade e o culto à performance: identificando padrões tóxicos na cultura organizacional

Um dos aspectos mais nocivos da cultura corporativa contemporânea é a hiperconectividade. A expectativa de disponibilidade constante, simbolizada por e-mails respondidos às 23h e mensagens de trabalho nos finais de semana, cria um ciclo vicioso de exaustão. Paralelo a isso, o culto à performance transforma o que deveria ser excepcional em padrão mínimo aceitável.

O espetáculo “Dá Trabalho!” expõe estes padrões tóxicos: a competição disfarçada de meritocracia, a solidão produtiva e o esvaziamento de vínculos genuínos no ambiente de trabalho. Ao trazer estas questões para o palco, a peça convida gestores e profissionais de RH a reconhecerem sinais de alerta que frequentemente são normalizados ou até celebrados como “dedicação” ou “comprometimento”.

Cultura de bem-estar como estratégia: por que cuidar da saúde mental dos colaboradores é investimento

Implementar uma cultura organizacional centrada no bem-estar não é apenas uma questão ética – é estratégico. Empresas que genuinamente priorizam a saúde mental experimentam maior engajamento, criatividade e retenção de talentos. A lógica é simples: pessoas saudáveis produzem resultados sustentáveis.

Algumas organizações já perceberam que programas superficiais de bem-estar não são suficientes. Não basta oferecer aulas de meditação se as demandas de trabalho continuam impossíveis de serem atendidas em um tempo saudável. É preciso repensar processos, expectativas e indicadores de desempenho para que sejam compatíveis com uma vida equilibrada.

A jornada do profissional moderno: entre a busca por propósito e o esgotamento

O profissional contemporâneo vive um paradoxo: por um lado, busca propósito e significado no trabalho; por outro, frequentemente se vê esgotado pelas demandas crescentes. Esta contradição é evidente quando perguntamos a alguém quem é fora do crachá, e a pessoa hesita ou simplesmente não sabe responder.

A jornada profissional moderna tornou-se um campo minado. A construção de carreira, antes relativamente linear, agora exige constante reinvenção, aprendizado contínuo e adaptabilidade a um ritmo nem sempre compatível com os limites humanos. Neste cenário, o esgotamento não é apenas um risco, mas uma consequência natural para muitos.

O humor como ferramenta de reflexão: aprendizados do teatro para o ambiente corporativo

Um aspecto inovador do espetáculo “Dá Trabalho!” é o uso do humor como veículo para reflexões profundas. Através da comédia, temas difíceis tornam-se mais acessíveis, permitindo que o público reflita sem a resistência que normalmente acompanha discussões sobre cultura organizacional tóxica.

Este método oferece lições valiosas para o ambiente corporativo. O humor pode ser uma ferramenta poderosa para iniciar conversas difíceis sobre saúde mental, expectativas irrealistas e práticas nocivas que se normalizaram. Quando rimos juntos de situações absurdas que vivenciamos no trabalho, abrimos espaço para questionar se realmente precisam continuar assim.

Ações práticas para empresas que desejam promover ambientes de trabalho mais saudáveis

O caminho para ambientes de trabalho mais saudáveis começa com ações concretas. Empresas verdadeiramente comprometidas com a saúde mental dos colaboradores podem implementar:

  1. Políticas claras de desconexão digital, garantindo o direito ao descanso genuíno;
  2. Revisão de metas e indicadores de desempenho, tornando-os desafiadores, porém realistas;
  3. Treinamento de lideranças para identificar sinais precoces de esgotamento em suas equipes;
  4. Criação de espaços seguros para discussão aberta sobre pressões e desafios;
  5. Flexibilidade genuína que respeite os diferentes momentos e necessidades dos profissionais;
  6. Programas estruturados de suporte psicológico acessível e sem estigmatização;
  7. Revisão constante de processos que geram sobrecarga desnecessária.

Mais importante que ações isoladas é a construção de uma cultura que valorize o ser humano integralmente, reconhecendo que resultados sustentáveis só são possíveis quando as pessoas estão bem. Como sugere o espetáculo “Dá Trabalho!”, é hora de colocar luz sobre o adoecimento corporativo para abrir espaço para a mudança necessária.

Referências

Mundo RH. (2025). Dá Trabalho! Espetáculo provoca o RH ao mostrar o custo invisível da exaustão corporativa. https://www.mundorh.com.br/da-trabalho-espetaculo-provoca-o-rh-ao-mostrar-o-custo-invisivel-da-exaustao-corporativa/

Hospital Israelita Albert Einstein. (2023). Burnout: o que é, causas, sintomas, tratamento e prevenção. https://www.einstein.br/noticias/noticia/burnout-o-que-e-causas-sintomas-tratamento-prevencao

Vittude. (2023). Panorama da saúde mental no trabalho 2023. https://materiais.vittude.com/panorama-saude-mental-no-trabalho-2023

FIA Business School. (2023). Saúde mental no trabalho. https://fia.com.br/blog/saude-mental-no-trabalho/