A discrepância entre setores corporativos e o bem-estar dos colaboradores é alarmante, especialmente no que toca à saúde mental. Com um aumento exponencial no uso de medicamentos e afastamentos por questões psicológicas, as empresas precisam ir além de campanhas pontuais e assumir uma responsabilidade diária na promoção de ambientes saudáveis. Transformar a cultura organizacional e garantir suporte contínuo são passos essenciais para garantir que o discurso sobre saúde mental se torne uma prática real e autêntica.
A crescente discrepância entre o que as empresas dizem e o que realmente fazem em relação ao bem-estar dos colaboradores expõe uma realidade preocupante no mercado brasileiro. Enquanto discursos corporativos enfatizam a importância da saúde mental, os dados revelam um cenário que contradiz essas belas palavras.
O aumento do uso de medicamentos para saúde mental entre profissionais brasileiros representa um grito de socorro silencioso. Segundo estudo da The School of Life, o uso de medicamentos para lidar com estresse, ansiedade e burnout disparou em 2025. Entre profissionais com nível superior e 25 anos ou mais, 52% dos líderes e 59% dos liderados agora recorrem a esse tipo de medicação — um salto dramático comparado aos 18% e 21% registrados em 2024.
Esses números se tornam ainda mais alarmantes quando analisamos o crescimento dos afastamentos por problemas de saúde mental. Dados da VR Benefícios, coletados junto a quase 30 mil empresas e mais de 1,2 milhão de trabalhadores, mostram um aumento de 143% nos afastamentos por questões psicológicas entre janeiro e julho de 2025. Essa escalada reflete não apenas o agravamento dos problemas, mas também a incapacidade das organizações de criar ambientes verdadeiramente saudáveis.
Uma das principais evidências dessa incoerência são as ações de promoção de bem-estar restritas a datas específicas. Empresas que promovem palestras apenas na Semana da Saúde ou no Setembro Amarelo, distribuindo brindes e realizando campanhas pontuais, demonstram uma compreensão superficial do que significa cuidar da saúde mental. Passado o evento, o tema simplesmente desaparece do radar organizacional, deixando os colaboradores sem o apoio contínuo que realmente necessitam.
A coerência da liderança emerge como fator crítico nesse processo. Não existe credibilidade em promover palestras sobre equilíbrio entre vida pessoal e profissional quando líderes continuam enviando mensagens às 23h ou marcando reuniões no horário de almoço. A prática da liderança funciona como bússola para toda a equipe — sem coerência, qualquer iniciativa de cuidado perde sua força e autenticidade.
A ausência de métricas reais para avaliar a saúde mental no ambiente de trabalho representa outro obstáculo significativo. Empresas que afirmam cuidar da saúde mental dos colaboradores, mas não possuem formas de medir sobrecarga, níveis de estresse ou causas de burnout, operam no escuro. Sem dados concretos, não há diagnóstico preciso, e muito menos ação efetiva para resolver os problemas identificados.
Para transformar discurso em ação efetiva no cuidado com a saúde mental, as empresas precisam adotar uma abordagem mais consistente e estruturada. Isso significa revisar processos e rotinas para reduzir sobrecargas desnecessárias, criar espaços genuínos de escuta e, principalmente, monitorar indicadores de saúde, clima organizacional e engajamento de forma contínua.
O papel da cultura organizacional na promoção de um ambiente saudável não pode ser subestimado. Mudanças reais só acontecem quando são incorporadas pelas pessoas e repetidas até se tornarem parte natural da cultura. No ambiente corporativo, isso exige respaldo das lideranças e instâncias superiores, criando um ciclo virtuoso onde o cuidado se torna parte integrante do DNA organizacional.
O verdadeiro bem-estar corporativo não nasce de grandes programas com slogans sofisticados, mas de pequenas ações consistentes que, somadas, constroem uma cultura mais humana, sustentável e produtiva. Para empresários e gestores que desejam implementar mudanças reais, o primeiro passo é reconhecer que saúde mental não é tema de campanha — é responsabilidade diária e compromisso contínuo com as pessoas que fazem a organização funcionar.
Referências
https://mundorh.com.br/bem-estar-corporativo-pratica-ou-so-discurso/